sábado, 25 de abril de 2009

Exagero

Confesso-me um urbano convicto. Tenho, como todo mundo, visões idílicas de uma vida suburbana, árvores no quintal e amigos passarinhos, mas isto não deve ser confundido com qualquer tipo de nostalgia do mato. Suburbano significa nos arredores do urbano, com água corrente e cinema perto. Sou a favor da civilização, com todos os seus descontentamentos. As pessoas que defendem o pastoral e a volta ao primitivo nunca se lembram, nas suas rapsódias à vida rústica, dos insetos. Sempre que ouço alguém descrever, extasiado, as delícias de um acampamento – ah, dormir no chão, fazer fogo com gravetos e ir ao banheiro atrás do arbusto – me espanto um pouco mais com a variedade humana. Somos todos da mesma espécie, mas o que horroriza alguns encanta outros. Pois sou dos horrorizados com a privação deliberada. Muitas gerações contribuíram com seu sacrifício e seu engenho para que eu não precisasse fazer mais nada atrás do arbusto. Me sentiria um ingrato fazendo. E a verdade é que, mesmo para quem não tem os meus preconceitos, as delícias do primitivo nunca são exatamente como as descrevem. Aquela legendária casa à beira de uma praia escondida onde a civilização ainda não chegou e tudo, portanto, é puro e bom não existe. Ou, se existe, não é bem assim.
– Você precisa ver. Um paraiso. Não há nem um armazém por perto.
Quer dizer, não há acesso à aspirina, fósforos ou qualquer tipo de leitura. Salvo, talvez, a metade de uma revista Cigarra de 1948. A pior metade.
– A gente dorme ouvindo o barulho do mar. . .
E do vento entrando pelas frestas. E de animais terrestres e anfíbios tentando entrar na casa para pegar o seu pé. E, se pegar, você morre. O antibiótico mais próximo fica a cem quilômetros.
Não. Fico na cidade. A máxima concessão que faço ao natural são as bermudas. E, assim mesmo, longas. Muito curtas já é um começo de volta à selva.
Mas é claro que há o exagero no outro sentido.
A humanidade, ou pelo menos a parcela que se beneficia dos avanços da técnica e dos confortos que ela proporciona, se acostuma muito rapidamente com o que tem. Imagino que não demorou muito depois de descobrirem como fazer fogo para que alguém exclamasse: ”Não entendo como alguém podia viver sem fogo!” Era inconcebível que durante algumas gerações, nossos antepassados tivessem vivido sem calor e sem carne assada. A mesma coisa com a roda. Como é que vivíamos sem a roda, meu Deus? E o vapor? E a luz elétrica? E o telefone? Como é que as pessoas, enfim, se telefonavam, quando não existia o telefone? E radinho de pilha? Acredite ou não, houve um tempo em que as pessoas iam ao futebol sem rádios. Mesmo quando já existiam rádios, eram grandes e pesados e precisavam ficar ligados na tomada. Para levar ao futebol, só com um fio muito comprido. E como sabiam se estavam gostando ou não do jogo, sem ouvir os comentaristas?
A televisão tem o quê? Cinquenta anos de idade. E já tem gente que se refere à época antes da televisão como a pré-história, um tempo tão remoto e difícil de visualizar quanto o tempo das cavernas. O que é que todos faziam antes de ter televisão em casa? Conversavam? Liam? Ou faziam alguma outra coisa esquisita?
Mas, outro dia, ouvi uma frase que me revoltou, dita por alguém atirado numa poltrona na frente da TV.
– Como é que as pessoas viviam sem controle remoto?
Este merecia ser jogado no mato, nu e com um tacape, para ver o que era bom e começar tudo de novo. Se não fosse meu filho eu jogava.

(Luís Fernando Veríssimo)

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